Intensificar não é sinônimo de confinar
Diferentes processos de intensificação para a produção pecuária brasileira em pastagens
Diferentes processos de intensificação para a produção pecuária brasileira em pastagens
A pecuária brasileira é predominantemente baseada em sistemas de pastagens, com um rebanho estimado em 225,9 milhões de cabeças que pastam em uma extensão de 155,5 milhões de hectares. Essa distribuição resulta em uma taxa de lotação média de 1,45 cabeça/hectare, ou 1,0 UA/ha. No entanto, ao discutir a intensificação da produção, a atenção geralmente se volta para os confinamentos.
De acordo com as projeções da Scot Consultoria, o número de cabeças confinadas atingiu 5,7 milhões. Além disso, a pesquisa expedicionária do Confina Brasil, realizada pela Scot Consultoria, apresentou dados sobre sistemas intensificados de produção em todo o país, que se direcionou a confinamentos e semiconfinamentos. O levantamento constatou um aumento de 15,3% no volume de bovinos confinados em 2023 em comparação com 2022.
Apesar do crescente volume de bovinos confinados, os sistemas de produção em pastagem representam 90% da produção de carne bovina no país. É necessário explorar e analisar criticamente alternativas que intensifiquem a produção nesse ambiente, maximizando eficiência, produtividade e sustentabilidade. Com isso, diversos métodos vêm se destacando como estratégias promissoras para atingir esse objetivo, os quais serão abordados neste texto.
A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) surge como uma abordagem integrada que promove a sinergia entre cultivo de lavouras, pecuária e sistemas florestais. Esta prática busca não apenas otimizar a produtividade do solo, mas também promover a sustentabilidade agrícola, reduzindo a necessidade de insumos externos. Ao explorar a ILPF, a pecuária brasileira pode beneficiar-se não apenas do aumento da produção animal, mas também da diversificação das atividades agrícolas.
Segundo dados da Rede ILPF publicados em 2020, o Brasil tem 17,4 milhões de hectares com integração, que representam 8,35% da área sob uso agropecuário.
Com base nas estimativas acima, a Rede ILPF estima que a área com algum tipo de integração, até 2030, deverá ocupar 25 milhões de hectares, dobrando o resultado obtido em 2015, quando a área integrada estava estimada em 11,47 milhões de hectares.
Destaque para o Mato Grosso do Sul, que detém 18,19% da área total de integração, com 3,17 milhões de hectares, seguido por Mato Grosso, com 2,28 milhões de hectares (13,09%) e Rio Grande do Sul, com 31,7% da sua área agropecuária com algum tipo de integração, e representa 12,71% da área total integrada brasileira, com 2,22 milhões de hectares (figura 1).
Figura 1
Área, em mil hectares, com emprego de alguma forma de integração de culturas no Brasil
Fonte: Rede ILPF/Elaborado por Scot Consultoria
As estratégias de produção que podem ser utilizadas na integração, com foco para pecuária, são:
Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF)
Integração Pecuária-Floresta (IPF)
Figura 2
Estratégias de produção integrada na pecuária
Fonte: Rede ILPF
A decisão sobre qual estratégia adotar dependerá das particularidades da região e da propriedade, incluindo fatores como proximidade de mercado, logística, relevo, clima, aptidão da propriedade e disponibilidade de maquinário, entre outros.
No contexto da integração, existe a necessidade de técnicos especializados para a prática, e a importância da interação e da capacidade interna dos produtores a fim de promover a maior eficiência e sustentabilidade nas atividades agropecuárias.
Exemplos de sistemas integrados:
cultivar soja nas entrelinhas de eucalipto e logo após a colheita da soja, semear pastagem com entrada de bovinos (ILPF);
plantio simultâneo de pastagem (gramíneas) com culturas anuais (leguminosas ou grãos); a pastagem é utilizada para alimentação do gado, enquanto a cultura anual é colhida para outros fins (ILP).
A intensificação pela implementação dos sistemas integrados pode proporcionar uma ampla gama de benefícios, como os descritos a seguir.
No que se refere ao solo, observa-se um incremento significativo na quantidade de matéria orgânica, promovendo uma intensificação na ciclagem de nutrientes e estabelecendo condições mais propícias para o desenvolvimento de microrganismos. Adicionalmente, a presença de sistemas integrados contribui para uma maior infiltração de água, reduzindo a perda de umidade e minimizando os riscos de erosão.
A lavoura colhe benefícios diretos da palhada deixada pelo capim e da descompactação do solo realizada pelas raízes da forrageira. Além disso, as árvores desempenham o papel de barreiras contra o vento, diminuindo as perdas de umidade no solo.
Graças às raízes mais profundas das forrageiras e árvores, há uma otimização na captação de insumos utilizados na lavoura, aproveitando também aqueles que têm lixiviação para camadas mais profundas. O aporte de nitrogênio proveniente de leguminosas como soja e feijão contribui para a maior disponibilidade de nutrientes no solo, resultando em uma produção de capim mais abundante e de melhor qualidade, o que, por sua vez, beneficia o desempenho animal.
Nos sistemas silvipastoris, as árvores desempenham um papel crucial ao proporcionar conforto térmico para o gado em condições climáticas adversas, tanto em períodos de calor intenso quanto de frio, minimizando os efeitos de geadas e protegendo contra o vento. A diversificação de culturas nesses sistemas altera a dinâmica de pragas, doenças e plantas daninhas, favorecendo o manejo integrado do sistema.
Do ponto de vista econômico, a diversificação promovida pelos sistemas integrados oferece maior segurança para o produtor, mantendo o solo em uso ao longo de todo o ano e contribuindo para a geração de mais empregos no campo. Esses benefícios combinados tornam estes sistemas produtivos uma abordagem sustentável e integrada para o desenvolvimento agrícola.
Há diversificação de fontes de renda, em decorrência da produção de culturas agrícolas, pastagens e árvores em um único sistema. Por exemplo, enquanto uma cultura está em fase de descanso ou entressafra, outras podem estar em pleno desenvolvimento, maximizando a produtividade e o retorno financeiro do mesmo espaço; ou ainda, em anos de baixa de ciclo de preços pecuários, pode-se gerar boas receitas, proporcionando maior estabilidade financeira ao produtor.
Além disso, a ciclagem de nutrientes promovida pelos sistemas integrados contribui para a redução da necessidade de insumos químicos, como fertilizantes. O uso integrado do solo e a otimização dos recursos resultam em economias significativas para o produtor. A interação sinérgica entre as diferentes atividades dentro do sistema favorece o aumento da produtividade. Por exemplo, a melhoria da qualidade do capim devido à presença de árvores e o aproveitamento de nutrientes resultam em um melhor desempenho dos animais, gerando mais receita na produção pecuária.
Com a diversificação de culturas nos sistemas, altera-se também a dinâmica de pragas e doenças, reduzindo a necessidade de pesticidas e antiparasitários, proporcionando economias adicionais aos produtores.
O objetivo principal nos sistemas de produção de bovinos de corte é alcançar o desmame de um bezerro por matriz a cada ano (bezerro/ano/matriz).
Nos sistemas de produção de bovinos de corte, o objetivo principal é alcançar o desmame de um bezerro por matriz a cada ano (bezerro/ano/matriz), principal gargalo da pecuária. Isso difere dos rebanhos de vacas leiteiras, onde a dinâmica é diferente, pois o objetivo é a produção de leite, portanto e, consequentemente, o bezerro. Em rebanhos leiteiros, a inseminação artificial é uma prática comum e amplamente utilizada, sendo sincronizada para expressão de estro, levando em consideração o período de involução uterina no pós-parto, que ocorre na média entre 45 e 60 dias para vacas leiteiras.
Para melhorar os indicadores zootécnicos na cria, os rebanhos de corte dependem da implementação de estações claramente definidas para o acasalamento, o parto e o desmame. Essa estratégia desempenha um papel fundamental na garantia da eficiência e da sustentabilidade do sistema de produção de carne bovina.
Em média, a primeira concepção da vaca ocorre em torno dos três anos, resultando em uma Idade ao Primeiro Parto (IPP) de aproximadamente 4 anos. Quando comparamos isso com a utilização de fêmeas superprecoces, estamos falando de quase dois anos de ócio e de perdas financeiras, que incluem os custos associados à criação da fêmea sem o correspondente retorno financeiro, ou seja, produzindo apenas um bezerro por ano.
A falta de eficiência reprodutiva representa um dos principais desafios enfrentados pela pecuária nacional. Para assegurar a concepção precoce dos bezerros, além de uma estação de monta bem estruturada, a nutrição desempenha um papel fundamental, já que a fertilidade das fêmeas está intrinsecamente relacionada ao seu peso corporal.
Como diz o conhecido ditado, "o cio entra pela boca". Fêmeas que emprenham no início da estação de monta terão o terço médio da gestação ocorrendo entre os meses de março e abril, durante a transição das águas para o período de seca.
Isso é vantajoso, pois durante esse período ainda há disponibilidade adequada de forragem. Com isso, as fêmeas que desfrutam de uma melhor oferta de forragem recuperam seu escore de condição corporal e se tornam aptas para a próxima estação de monta.
Estratégias estão sendo implementadas para elevar os índices reprodutivos da pecuária de corte, como a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), com o objetivo de reduzir a IPP e, consequentemente, encurtar a estação de monta.
Estudos demonstram que, quando há um maior número de fêmeas prenhas no início da estação de monta, os partos ocorrem em um período mais propício para a saúde dos bezerros, que é durante o período seco do ano, e isso resulta em significativa redução na taxa de mortalidade desses bovinos.
Além disso, os bezerros nascidos nesse período tendem a ser desmamados com pesos mais elevados em comparação àqueles que são concebidos no final da estação de monta.
Por exemplo, um bezerro Nelore resultante da primeira IATF pode ser até 15 kg mais pesado do que um bezerro proveniente de acasalamento natural. Se considerarmos um bezerro F1 (bezerro oriundo de cruzamento inicial, que pode ser advindo da mesma raça ou outra, como a Angus, que definimos como cruzamento industrial).
É de extrema importância que o planejamento da estação de monta seja sincronizado com a época do ano em que há maior disponibilidade de forragem para as fêmeas, geralmente durante o período mais chuvoso. Isso assegura que as fêmeas estejam em condições ótimas de saúde e nutrição para conceber precocemente e gerar bezerros de alta qualidade.
Figura 3
Fonte: Scot Consultoria
É importante ressaltar que a escolha da data de início da estação de monta deve ser baseada em uma série de considerações, incluindo o manejo nutricional, as instalações disponíveis, as metas de produção e as características do rebanho. Além disso, é fundamental consultar um veterinário ou um especialista em reprodução bovina para garantir que a estratégia adotada seja adequada às condições específicas da sua propriedade e aos objetivos de produção.
A desmama precoce é uma prática na pecuária que envolve separar os bezerros de suas mães em uma idade mais jovem do que a usual. Normalmente, a desmama ocorre por volta dos 6 a 8 meses de idade, mas a desmama precoce pode ocorrer antes, em média aos quatro meses, trazendo ganhos econômicos para os produtores.
Com a prática da desmama antecipada, é possível otimizar os custos associados à alimentação das vacas lactantes, período de grande demanda energética para as vacas. Ao realizar a separação dos bezerros em uma fase mais precoce, as vacas passam para o período não lactante (secas) de maneira mais rápida. Esta antecipação na transição para o período não lactante prepara as vacas para uma recuperação mais rápida do escore de condição corporal, que costuma estar abaixo do ideal para retorno ao estro. Sendo assim, com a desmama precoce o intervalo entre parto torna-se mais curto, com a vaca retornando em cio mais cedo, o que favorece a eficiência reprodutiva do rebanho.
Além disso, a desmama precoce simplifica o manejo do rebanho, pois os bezerros são manejados separadamente das vacas e mais rapidamente. Isso pode facilitar a implementação de práticas como a creche de bezerros, permitindo um controle mais efetivo da nutrição e da saúde dos animais em crescimento. Ao separar os bezerros mais cedo, contribui-se para a redução da pressão sobre as pastagens, permitindo que estas se recuperem mais cedo. Isso é particularmente relevante em sistemas de pastoreio rotativo, nos quais a gestão eficiente dos recursos forrageiros é de extrema importância.
Com a desmama precoce, estes bezerros têm a oportunidade de receber dietas mais concentradas e adaptadas às suas necessidades nutricionais específicas. Isso pode resultar em ganhos de peso mais rápidos e eficientes, levando a uma produção mais eficaz de carne.
O creep feeding consiste em fornecer suplementação alimentar direcionada aos bezerros ainda em aleitamento. Destaca-se como ferramenta para acelerar o ganho de peso e promover um desenvolvimento muscular mais eficaz.
A dieta em creep feeding fornece aos bezerros acesso a uma alimentação mais concentrada e rica em nutrientes, além do leite materno, dieta esta que, durante a fase de lactação, favorece o desenvolvimento muscular e ósseo dos bezerros. Isso promove um ganho de peso mais rápido e eficiente nos bezerros, contribuindo também para maior eficiência da desmama precoce.
Além disso, o creep feeding pode ser uma ferramenta para potencializar o desempenho dos animais durante a entressafra, um período em que a disponibilidade de forragem diminui e a produção de leite é impactada negativamente.
Para implementar o creep feeding, é necessário a instalação/construção de um cercado, que disponha de aproximadamente 1,5m² por cria, com um espaço mínimo de 2 metros entre o cocho e a cerca de circulação, proporcionando aos bezerros um cocho privativo. Esse espaço é projetado de forma a ser inacessível para as matrizes lactantes, permitindo que apenas os bezerros consumam a ração. Em muitos casos, essa suplementação é enriquecida com vitaminas e minerais essenciais para promover um desenvolvimento saudável e vigoroso durante a fase inicial de crescimento.
O elevado custo do concentrado ou o desempenho aquém do esperado pelos animais podem se tornar obstáculos para a lucratividade. As crias suplementadas, inicialmente, podem manifestar um desempenho reduzido durante a fase inicial do creep feeding, devido ao fenômeno de ganho compensatório que esses animais frequentemente exibem nessa etapa. Posteriormente, ao serem desmamados e transferidos para o pasto, alguns bezerros podem enfrentar dificuldades de adaptação a uma dieta baseada em volumosos, resultando em um desempenho inferior. Além disso, é importante considerar que a implementação inadequada do sistema pode levar à ocorrência de acidose nos animais. Faz-se necessário o acompanhamento de um técnico, para que faça os ajustes corretos do manejo de maneira geral.
Em conclusão, a exploração de práticas como ILP, ILPF, estação de monta, desmama precoce e creep feeding definem as estratégias de intensificação. Quando implementadas com precisão, não apenas elevam os índices produtivos, mas também conferem maior sustentabilidade ao setor pecuário brasileiro.
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