Blog •  24/01/2024

Economia circular na pecuária de corte: bom para o meio ambiente e para o bolso.

Autora: Mariana Guimarães, médica-veterinária, me
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Na pecuária de corte, tudo é aproveitado, nada se desperdiça.

As próximas décadas serão marcadas pelo acelerado crescimento populacional e a intrínseca relação entre a expansão populacional e produção de resíduos, para o que serão necessárias soluções eficazes no sentido de evitar a ação de uma gestão errada dos resíduos para o ambiente, primordialmente em relação ao tratamento final desses resíduos.

Pensando em riscos ambientais, três conjuntos interligados podem culminar em uma potencial crise ambiental: o crescimento populacional, a demanda por energias e materiais e a geração de resíduos. 

Com a expectativa de crescimento populacional nas próximas décadas, espera-se que haja um volume cada vez maior de resíduos gerados pelo aumento do consumo, que precisarão de soluções para que não fiquem dispostos no ambiente.

O mercado está cada vez mais competitivo e exigente, principalmente quanto ao desenvolvimento de produtos e práticas mais sustentáveis, não apenas com a motivação de se reduzir os desperdícios de materiais, mas também voltado para ações que permitam a redução de custos e insumos, que reaproveitem e que se promova o uso inteligente e consciente de recursos naturais. Aqui entra o conceito de economia circular, que deixou de ser um conceito apenas teórico para tornar-se, cada dia mais, um conceito realmente aplicável, buscando substituir paulatinamente a economia linear.

A economia circular aplicada à pecuária de corte

O Brasil alimenta o mundo, e isto é fato! O país é considerado o segundo maior produtor mundial de carne bovina, e o primeiro quanto à exportação dessa carne. Contudo, quando falamos a respeito de sustentabilidade, o Brasil ocupa o 12° lugar no Anuário de Sustentabilidade da S&P Global 2022, que tem apenas 22 empresas reconhecidas pelas práticas de sustentabilidade e aproximadamente 7.500 empresas na base de avaliações.

Na 28° Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil lançou uma proposta de promover a sustentabilidade e repensar a globalização. O plano, baseado em seis principais eixos (financiamento sustentável, desenvolvimento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas), pretende estimular investimentos que melhorem o meio ambiente e reduzam as desigualdades.

No contexto do agronegócio, a economia circular já é aplicada há décadas. Muitos desconhecem o termo economia circular, mas o aproveitamento de dejetos de animais para adubar as lavouras, reutilização de “palhada” como cobertura de solo, armazenamento de água da chuva etc. são clássicos exemplos de práticas do modelo de economia circular.

A Economia circular na cana-de-açúcar

Na economia circular, o dito “Na vida nada se cria, tudo se copia” pode ser transformado em “Na vida nada se descarta, tudo se reutiliza”, e um excelente exemplo desse caso é a cana-de-açúcar. Os principais produtos extraídos e transformados que têm origem nessa matéria-prima são o açúcar e o etanol, e, como resíduo, há a produção de bagaço, que é usado no sistema para prover energia térmica às usinas e assim seguir dentro do modelo de economia circular. 

Além disso, na indústria, podem ser gerados coprodutos, como a levedura para formulação de ração animal; a vinhaça para biogás ou retornar às lavouras como forma de fertilizantes; a torta de filtro, usada para nutrição dos solos; o bagaço da cana, utilizados como biomassa para produção de energia ou como composto para alimentação animal.

Além do bagaço, as folhas dos cortes da planta também podem ter uma função na economia circular, sendo utilizada como palhada. No campo, a palhada proveniente do canavieiro pode ser utilizada como cobertura de solo ou coletada para a queima e produção de energia (eletricidade). 

Como aplicar a economia circular na agropecuária

As interações entre as cadeias de produção animal e vegetal também são consideradas excelentes exemplos de economia circular. A produção de grãos (milho, sorgo, trigo, aveia, soja e outros), além de visar a comercialização direta, pode ser direcionada para o processamento dentro da própria fazenda, para a fabricação de ração dos bovinos, suprindo assim a demanda em momentos de menor produção de massa forrageira no ano ou em confinamento.

As rações são oferecidas aos rebanhos em confinamento, o que gera um elevado volume de dejetos que podem ter inúmeras vias na economia circular: 

  1. voltar às lavouras como biofertilizantes (redução de custo com adubos químicos); 

  2. serem direcionados para a fabricação de fertilizantes específicos;

  3. servem como matéria-prima para a produção de biogás, biometano e eletricidade, usada para abastecer as próprias instalações da propriedade.

Além da redução de custos em sistemas de produção de bovinos de corte, outro benefício que a economia circular pode proporcionar é o bem-estar animal. Em regiões onde o inverno é mais rigoroso, com temperaturas que tendem a ser mais baixas, camas nesses períodos, e em locais estratégicos das pastagens, podem ser usadas para diminuir os impactos do frio nesses animais. Os subprodutos, como maravalha, casca de arroz, palhada da cana, entre outros, podem ser utilizados.

Para quem pensa que, na pecuária de corte, o abate dos bovinos é o fim da economia circular, está bem errado! A frase “Do boi, só não se aproveita o berro!” é outra frase também voltada para a sustentabilidade e a economia circular.

O resultado do abate não é apenas a carne bovina para consumo da população, mas coprodutos podem ser gerados por meio de cascos, sangue, chifres, couro, ossos etc., como compostos para medicamentos, óleos, plásticos, gelatinas, chicletes, etc. 

Não apenas a pecuária de corte, mas o agro brasileiro tem 100% da sua matéria-prima voltada para recursos finitos, portanto, cada vez mais, tem-se buscado práticas voltadas para a sustentabilidade, uma vez que a indisponibilidade de matéria-prima pode provocar oscilações de preços no mercado das principais commodities, pois com a baixa oferta de matéria-prima, eleva-se o custo para a aquisição dessas matérias-primas, ou seja, as indústrias terão que pagar um valor a mais para a compra e esse preço a mais muita das vezes poderá ser refletido no preço a ser pago pelos produtos finais pelos consumidores. 

A economia circular não é apenas sobre consumir menos, mas consumir melhor. 

A gestão eficiente dos recursos, aliado também à tecnologia, permite a utilização mais precisa e racional da matéria-prima, possibilitando processos mais produtivos e econômicos. É necessário incentivar os produtores e possibilitar meios de agregar mais valor às produções realizadas a partir da economia circular. A economia circular aplicada à agropecuária é muito mais do que um olhar para o futuro, é um olhar para o presente!

Mas o que é a economia circular?

É um conceito de modelo estratégico sustentável, o qual consiste em manter o máximo possível de recursos em circulação por meio da reutilização, reciclagem e regeneração. 

De modo geral, esse modelo econômico propõe uma mudança nas cadeias de produção e envolve uma transformação na extração dos recursos, na forma com que os resíduos são descartados e nas lógicas de consumo, buscando conciliar o crescimento econômico, a sustentabilidade e o bem-estar da sociedade. É uma oportunidade para redefinir o futuro.

Economia linear x Economia circular

O atual modelo econômico, conhecido como modelo econômico linear, está com data bem próxima ao seu fim, isso porque a geração linear não leva em consideração que os recursos materiais e energéticos são finitos. 

O modelo econômico linear, aplicado desde a Revolução Industrial, segue basicamente o fluxo de: matéria-prima – produção – consumo – descarte, há, portanto, um começo, um meio e um fim. Após o uso do produto, há o descarte, e como se produz mais? Voltando ao início: extraindo novos recursos e reiniciando todo o processo.

A lógica do fim da linha de produção da economia linear é sempre retornar ao início, ou seja, retomar o processo, sem devolver de forma significativa os recursos naturais extraídos para a produção e sem descartar corretamente os produtos anteriores, que se tornarão obsoletos. Neste sistema, não se leva em consideração a finitude dos recursos naturais (figura 1).

Figura 1 
Fluxograma da economia linear

Fonte: Scot Consultoria

Na economia circular, modelo adaptado aos novos tempos, há um equilíbrio no qual se propõe uma regeneração do valor do capital e não apenas a extração desse valor, ou seja, existe uma harmonia entre a economia e o ambiente, buscando a eficiência e a eficácia de todo o sistema produtivo.

Baseado em algo circular e contínuo, sem um fim definido, o modelo desse sistema é de geração contínua de bens, com design ecoeficiente e de menor impacto, com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis (figura 2).

Figura 2
Fluxograma da economia circular

Fonte: Scot Consultoria

Economia circular como uma alternativa à economia linear

O Brasil, com uma população de 203 milhões de habitantes, gerou, em 2022, aproximadamente 81,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, correspondente a 224 mil toneladas por dia. Com isso, cada brasileiro produziu, em média, 1,043 kg de resíduos diariamente. 

No Brasil, o índice de reciclagem de plástico pós-consumo é de 23%, enquanto na União Europeia esse percentual é de 40%. Problemas como esse são apenas um dos diversos impactos negativos do modelo econômico atual.

A economia linear segue uma linha de produção lógica de mão única: os recursos são extraídos, manufaturados e transformados em produtos. Nesta economia, não há benefício para o ecossistema, pois, logo após o fim da vida útil do que foi produzido com a matéria-prima, não há reciclagem ou qualquer tipo de reparação aos impactos causados.

Já na economia circular, como o próprio nome já indica, existe um ciclo, não existindo um fim, ou seja, o foco dessa economia é sempre suprir o desgaste ambiental causado pela produção de um produto ou serviço, diminuindo os impactos negativos das ações.

Além disso, a produção de produtos/serviços por meio de uma economia circular é vantajosa para empresas, uma vez que, com menos recursos naturais disponíveis, os custos para obtenção de matéria-prima se elevam. Logo, gerar novos recursos, se torna uma forma de manter funcionando os meios de produção.

Referências:

AGÊNCIA CANALENERGIA. Êxito em projetos de RSU podem trazer investimento de R$4 bilhões em 2023. Disponível em: <https://www.canalenergia.com.br/noticias/53238488/exito-em-projetos-de-rsu-podem-trazer-investimentos-de-r-4-bilhoes-em-2023-preve-abren>. Acesso em 08 de dezembro de 2023.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2022. 64p. Disponível em: <https://abrelpe.org.br/panorama/>.

BARBOZA, D. V.; AQUINO DA SILVA, F.; MOTTA, W. H.; MEIRÑO, M. J.; FARIA, A. V. Aplicação da economia circular na construção civil. Research, Society and Development, v. 8, n. 7, 2019. 

CALIFE, N. F. S.; BATALHA, M. O.; AITA DA SILVA, F.; LIMA, E. B. Economia circular no agronegócio: estudo de caso em uma unidade agropecuária do estado de Goiás. Anais do XI Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção, 11 p., 2021.

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA. No Brasil, índice de reciclagem de plástico pós-consumo é de 23%. Disponível em: <https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/no-brasil-indice-de-reciclagem-de-plastico-pos-consumo-e-de-23#:~:text=%C3%A9%20de%2023%25-,No%20Brasil%2C%20%C3%ADndice%20de%20reciclagem%20de,p%C3%B3s%2Dconsumo%20%C3%A9%20de%2023%25&text=Florian%C3%B3polis%2C%206.9.2023%20%2D%20No,o%20percentual%20%C3%A9%20de%2040%25>. Acesso em 08 de dezembro de 2023.

GONÇALVES, T. M.; BARROSO, A. F. F. A economia circular como alternativa à economia linear. Anais XI Simpósio de Engenharia de Produção de Sergipe, p. 265-272, 2019.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Panorama censo 2022. Disponível em: <https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/?utm_source=ibge&utm_medium=home&utm_campaign=portal>. Acesso em 08 de dezembro de 2023.

IRANCHO. Como a economia circular pode ser aplicada na agropecuária? Disponível em: <https://www.irancho.com.br/agro-e-economia-circular/>. Acesso em 11 de dezembro de 2023.

PORTAL DA INDÚSTRIA. Economia circular: entenda o que é, suas características e benefícios. Disponível em: <https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/economia-circular/#:~:text=Economia%20circular%20%C3%A9%20um%20conceito,mais%20dur%C3%A1veis%2C%20recicl%C3%A1veis%20e%20renov%C3%A1veis>. Acesso em 10 de dezembro de 2023.

RAÍZEN. Economia circular: o que é e benefícios para empresas. Disponível em: <https://www.raizen.com.br/blog/economia-circular>. Acesso em 08 de dezembro de 2023.

S&P GLOBAL. The Sustainability Yearbook 2022 Rankings. Disponível em: <https://www.spglobal.com/esg/csa/yearbook/2022/ranking/>. Acesso em 10 de dezembro de 2023.

VEJA MERCADO. Como funciona a economia circular no agro? Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/mundo-agro/como-funciona-a-economia-circular-no-agro>. Acesso em 11 de dezembro de 2023.