Blog •  20/04/2021

Cigarrinhas que atacam as pastagens

Autor:  Adilson de Paula Almeida Aguiar – zootecnista
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Cigarrinhas que atacam as pastagens

Entenda as alternativas de controle das cigarrinhas-da-pastagem, que compreendem vários métodos, os quais constituem um programa de controle integrado de pragas (MIP)

As pastagens, como qualquer outra cultura cultivada pelo homem, são atacadas por pragas. Essas pragas que atacam as pastagens, por sua vez, são classificadas como: i) pragas ocasionais, tais como a cochonilha-da-pastagem, a lagarta-dos-capinzais e o percevejo-das-gramíneas; ii) pragas gerais, que são os cupins, as formigas, os gafanhotos, o percevejo-castanho-da-raiz e a larva de besouro escarabeídeo; e iii) pragas específicas, que são as cigarrinhas que atacam pastagens – as que mais causam danos e prejuízos econômicos à atividade de produção animal em pasto.

Espécies de cigarrinhas-da-pastagem vêm sendo classificadas desde 1759 e, no Brasil, as primeiras referências sobre o seu ataque em pastagens datam da década de 1960.

As cigarrinhas são insetos da ordem Hemiptera, subordem Homoptera, da família Cercopidae. São insetos sugadores apenas de gramíneas (capins) – sugadores da seiva na fase imatura e toxicogênicos (injetam toxinas na planta) na fase adulta, à exceção das cigarrinhas-dos-canaviais, cujas ninfas também são toxicogênicas.  Todas as cigarrinhas de pastagens são autóctones, ou seja, nativas.

Ciclo de vida

As cigarrinhas são insetos que se desenvolvem por hemimetabolismo ou ciclo paurometabólico (fases ovo – ninfa – adulto), passando pelos seguintes estágios:

  1. Eclosão das ninfas provenientes de ovos em diapausa por volta de duas a três semanas após o início das chuvas, mas também pode ocorrer o ano todo em regiões com chuvas distribuídas ao longo dos meses e em pastagens irrigadas. O período de incubação pode durar até 200 dias devido à falta de umidade e à baixa temperatura, mas, em condições adequadas, dura de 15 a 22 dias.

  2. As ninfas se alojam na base da touceira da planta, junto ao solo, e produzem uma espuma branca por meio da glândula de Bateli, que as protegem de dessecação solar e do controle de inseticidas químicos de contato. Quando chega a seca, por falta de umidade, as formas jovens deixam de produzir a espuma protetora, o que as leva à morte.
  1. Em média, o ciclo de vida compreende os seguintes períodos: período de incubação: 15 dias; período ninfal: 35 dias; pré-ovoposição: 3 dias; adultos: 10 dias – acasalamento e ovoposição – nova geração.

Em pastagens, as cigarrinhas-da-cana efetuam a postura dos ovos em folhas secas ou murchas, no colo da planta, localizando as formas jovens nas raízes dos capins, em uma média de  102 ovos por fêmea, enquanto a postura da N. entreriana é feita no solo ou em restos vegetais, em uma média de 100 ovos por fêmea durante a fase de postura.

Danos causados

Os danos variam entre 10% e 100%. As ninfas das cigarrinhas-da-pastagem causam algum dano, mas, no caso das cigarrinhas-da-cana (Mahanarva fimbriolata, Mahanarva spectabilis), os danos são mais severos, mesmo aqueles causados pelas ninfas.

Os adultos são os responsáveis pelos maiores prejuízos. Eles injetam dois grupos de substâncias: um deles se coagula no interior do tecido das folhas, possivelmente desorganizando o transporte da seiva; o outro grupo é composto por substâncias solúveis, que se translocam para o ápice (ponta) das folhas, provocando a morte dos tecidos. Em consequência das ações daquelas substâncias, aparecem os sintomas típicos do ataque das cigarrinhas nas pastagens, como se fosse uma “queima” pela geada ou o efeito da aplicação de herbicidas dessecantes.

Área atacada por cigarrinhas
Área atacada por cigarrinhas | Foto: autor

Como consequência dos ataques, ocorre redução na produção de forragem, com consequente redução da capacidade de suporte da pastagem, o que leva à necessidade do produtor reduzir a taxa de lotação da pastagem. Com 25 adultos/m2 de Notozulia entreriana durante 10 dias, a produção de matéria seca caiu 30% em Brachiaria decumbens. Foi constatado também redução significativa no crescimento de raízes.

As toxinas injetadas nas plantas pelas cigarrinhas ainda provocam uma queda do valor nutritivo da forragem por empobrecer sua composição química com menores teores de proteína, fósforo, magnésio, potássio e cálcio, maiores teores de fibra e menor digestibilidade, com consequente redução no desempenho dos animais. A redução nos teores de proteína bruta, extrato etéreo, cálcio, fósforo e zinco podem ser da ordem de 20% a 50%.

Além daqueles danos causados pelos adultos, a alimentação pelas ninfas nos vasos xilemáticos das raízes causa estresse hídrico e perda de biomassa.

Alternativas de controle

As alternativas de controle das cigarrinhas-da-pastagem compreendem vários métodos que constituem um programa de controle integrado de pragas (MIP).

  • Resistência das gramíneas: o mecanismo de resistência é a antibiose. Por meio dele, a gramínea causa um efeito adverso no desenvolvimento e na sobrevivência do inseto, mas ele ainda não é bem entendido no caso das cigarrinhas.

As avaliações que permitiram concluir sobre a resistência do cultivar Marandu (capim-braquiarão), forrageira que atualmente ocupa mais de 65% das pastagens na região Norte, e aproximadamente 50% da área de pastagens brasileiras, foram feitas com espécies de cigarrinhas típicas de pastagens, como Notozulia entreriana e Deois flavopicta, mais comuns nos Cerrados e em outras regiões (classificação feita pela Embrapa na década de 1980). Entretanto, sabe-se que, hoje, esse cultivar é suscetível à cigarrinha típica de canaviais e capineiras, do gênero Mahanarva.

A Brachiaria humidicola comum foi classificada no passado como resistente e, depois, como tolerante. Mas, em níveis populacionais altos, no trópico quente-úmido, como na região Norte, os danos são significativos.

A Brachiaria humidicola cultivar Llanero foi liberada pelo CIAT (Colômbia) como resistente, mas é uma excelente planta hospedeira para as ninfas, causando danos severos.

Como método de controle para as cigarrinhas típicas de pastagens, algumas opções de forrageiras comprovadamente resistentes são: capim-andropogon cultivar Planaltina; capim Convert HD364; cultivares de Panicum maximum, tais como os capins Tanzânia, Mombaça e Massai; capim-setaria; gramas do gênero Cynodon, tais como as gramas estrelas, os tiftons; capim-pojuca; capim-jaraguá; capim-gordura; etc. O fundamento aqui é a “diversificação” das espécies forrageiras na propriedade.

Um cultivar ou um genótipo resistente é aquele que, em virtude de sua constituição genotípica, sofre menos danos que outras cultivares ou outros genótipos em condições de igualdade para o ataque de uma praga. A resistência é relativa, e a sua detecção pressupõe estudos comparando dois ou mais genótipos diferentes. A resistência geralmente é específica, ou seja, um determinado genótipo pode ser resistente a uma determinada espécie de praga, mas, na mesma condição, ser suscetível a outros insetos. A manifestação do caráter da resistência depende das interações entre genótipo e ambiente. Entretanto, para as cigarrinhas dos canaviais que atacam pastagem, o pecuarista tem que estar preparado para adotar outros métodos de controle.

  • Práticas culturais: compreendem os procedimentos que podem ser adotados na condução do manejo da pastagem, tais como:

Manejo do pastejo: as populações de cigarrinhas tendem a aumentar em pastos viçosos subutilizados; a sobrevivência de ovos é maior em pastos de Brachiaria com altura maior que 30 cm e com grandes quantidades de palha sobre a superfície do solo. Por outro lado, as populações de ninfas e adultos diminuem com o aumento da pressão de pastejo.

Observa-se, por esses resultados, que o ajuste da taxa de lotação à capacidade de suporte da pastagem faz parte do conjunto de práticas em um programa de controle dessa praga.

  • Controle químico: observou-se que a sintomatologia dos danos causados pela cigarrinha se expressa plenamente em três semanas. Se considerarmos que a longevidade média dos adultos é de 15 dias, ao se constatar o pasto amarelecendo, a quase totalidade da população responsável por aqueles danos já estaria morta. Portanto, qualquer controle deverá ser feito com a cigarrinha ainda na fase de ninfa (inseto dentro da espuma). Para isso, os inseticidas precisam ter efeito residual prolongado. A maior eficácia do controle químico tem sido alcançada com as misturas de ingredientes de contato associados a ingredientes sistêmicos.

  • Controle biológico: usam-se inseticidas biológicos com o fungo Metarhizium anisopliae, entretanto, os resultados têm sido inconsistentes, variando entre 10% e 60% de controle, devido ao grande número de fatores que influenciam a eficácia desse tipo de controle. Vejamos: deve ser executado com o aparecimento da segunda e da terceira geração de ninfas, pois é a fase mais suscetível. Em áreas com histórico de alta infestação, e nas quais a população de ninfas é alta já no início das chuvas, recomenda-se utilizar o fungo também na primeira geração. Condições para a aplicação: a altura do pasto deve ser maior que 25 cm para evitar radiação ultravioleta sobre o fungo; a umidade relativa do ar deve estar acima de 80%, seguida de veranicos e temperaturas de 25oC a 29oC; os pulverizadores devem estar totalmente descontaminados de pesticidas químicos (herbicidas, inseticidas, fungicidas); o volume de calda é de 50 l/ha para aplicações aéreas e de 200 a 300 l/ha, em aplicações terrestres. Não usar água clorada, pois ela mata o fungo. A mistura do produto à base de fungo na água deve ser feita, no máximo, 1 hora antes da aplicação. Essas são condições indispensáveis para a eficácia do controle.

Após o terceiro ou quarto dia da aplicação, já é possível notar os primeiros efeitos. As cigarrinhas que se mostravam muito ativas antes da aplicação começam a perder o equilíbrio e a coordenação motora, perdem o brilho, tornando-se presas fáceis para predadores. Entre o 10º e o 15º dia, é comum encontrarmos cigarrinhas mortas e totalmente mumificadas pela ação do fungo.

Área quase toda queimada pelas cigarrinhas
Área quase toda queimada pelas cigarrinhas | Foto: autor

Metodologia de monitoramento para determinar o nível de controle
  1. Amostragem de ninfas: realizar amostragens quinzenais aleatoriamente em 10 ha e, nessa área, tomar em 5 pontos de 1 m2. Os níveis de controle são de 5 e 20 ninfas/m² para as cigarrinhas-dos-canaviais e das pastagens, respectivamente. Se o controle não é feito, a probabilidade de se alcançar o nível de dano econômico é muito alta.

  2. Amostragem de adultos: usa-se a rede de varredura, caminhando em zigue-zague e tomando uma coleta a cada três passos. O nível de controle é quando se alcança quatro adultos por passo.
Relação de custo-benefício do controle

Por meio de avaliação comparativa, para os parâmetros de capacidade de suporte (UA/ha) e desempenho animal (ganho médio diário) em pastagens atacadas por cigarrinhas com e sem seu controle, chega-se a relações de custo-benefício que variam entre R$ 2,00 e R$ 13,00 para cada R$ 1,00 gasto no controle.

Essa amplitude de variação se deve a fatores como taxa de lotação da pastagem e desempenho animal alcançados na fazenda, população da cigarrinha, nível de dano causado por ela, momento de execução do controle, etc.