Blog •  28/12/2023

Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e herbicidas residuais: principais pontos para uma boa relação

Autor: Felipe Fabbri, zootecnista, me
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A migração de áreas de pastagens em lavouras e o emprego das técnicas de integração trouxeram, com frequência, o questionamento sobre o efeito residual de herbicidas empregados nas pastagens e sua interferência nas culturas cultivadas em sucessão ou integração.

O que são herbicidas residuais?

Ao tratarmos do controle de plantas daninhas, definimos como herbicidas residuais aqueles que podem permanecer ativos no solo por um determinado tempo e em uma concentração capaz de causar fitotoxicidez à cultura subsequente. 

Este efeito residual subsequente também é conhecido como carryover.

Ao atingirem o solo, é iniciado o processo de degradação dos herbicidas aplicados, que pode ocorrer em um tempo extremamente curto para algumas moléculas simples e não persistentes ou perdurar por meses para compostos mais persistentes. O tempo de permanência de uma molécula no ambiente é dependente de diversos fatores, dentre eles, da capacidade de sorção do solo (processo de retenção de uma determinada substância pelo solo), fluxo hídrico, além da taxa de degradação da molécula, a qual é relacionada à atividade microbiológica, dentre outros fatores.

É essencial entender o efeito carryover para que a sua ação não venha afetar as culturas subsequentes, especialmente nos casos de rotações de culturas e integração.

Em casos em que há a aplicação de um herbicida que apresenta efeito residual no solo e a cultura a ser implantada em sucessão é suscetível a esta molécula, é necessário aguardar um período para que haja a semeadura desta cultura (período de carência), para que, desse modo, não haja fitotoxicidade do herbicida à cultura em sucessão. 

Vamos a um exemplo?

No caso da rotação soja e milho, uma das mais tradicionais do Brasil: os herbicidas inibidores de ACCase, como o fluazifop-p-butil, cletodim ou haloxifope, são seletivos para a soja e podem ser aplicados em área total.

Mas, se o produtor aplicar um destes herbicidas em final de safra ou na dessecação da área de soja, o produtor terá de aguardar algo próximo a 14 dias para ter um residual seguro para a semeadura do milho (período de carência). No caso do haloxifope, deve-se aguardar pelo menos 70 dias para que haja a semeadura do milho não tolerante ao herbicida.

Do contrário, ao semear o milho antes do período de carência, a cultura sofrerá com os danos e poderá apresentar sintomas de fitotoxicidade, diminuindo a produtividade e podendo até levar a perda total da área plantada.

Sistemas integrados e herbicidas residuais: atenção na hora do manejo

A produção de gado de corte brasileira tem aumentado, ano a ano, a área em sistemas integrados de produção

Em 2023, aproximadamente 20 milhões de hectares são produzidos com algum tipo de integração e, espera-se que a pecuária de corte atinja até 31 milhões de hectares nos próximos anos (estimativas da Scot Consultoria, com base nos dados da Rede ILPF).

Em sistemas de integração, as lavouras são utilizadas visando que a produção de grãos pague, pelo menos, em parte os custos da recuperação ou da reforma das pastagens. 

Em áreas de pastagem degradada, cultivam-se grãos por um, dois ou mais anos e, depois, volta-se com a pastagem, que vai aproveitar os nutrientes residuais das lavouras na produção de forragem.

Conforme comentamos, herbicidas residuais são aqueles que, após serem aplicados ao solo, têm a capacidade de permanecer ativos por algum tempo em sua solução, efeito característico dos herbicidas pré-emergentes e de alguns pós-emergentes.

Eles agem controlando as plantas daninhas que estão para nascer sem ter, em grande parte, ação sobre as plantas daninhas que já estão estabelecidas na área pré-aplicação.

Em sistemas produtivos integrados, a grande preocupação sobre o efeito residual de herbicidas empregados em pastagens e suas implicações em lavouras recaem essencialmente sobre duas moléculas: picloram e aminopiralide, que são moléculas posicionadas em pós-emergência da pastagem, mas que possuem efeito residual no solo, podendo ocasionar fitotoxicidade às culturas que forem cultivadas em sucessão caso não seja respeitado o período de carência. 

Bastante utilizadas no controle de plantas daninhas de folhas largas em pastagens, as moléculas do picloram e do aminopiralide estão presentes em muitos produtos registrados e comercializados no segmento pastagem.

O picloram pode estar presente em alguns produtos em composição única, usado normalmente no controle de plantas daninhas lenhosas no sistema corta e aplica – também denominado como aplicação no toco. 

Mas seu uso está associado, principalmente, à composição de formulações em mistura com 2,4-D ou fluroxipir e, nos últimos anos, até mesmo em misturas triplas (aminopiralide + triclopir ou aminopiralide + fluroxipir). 

O principal aspecto relacionado a essas moléculas que os caracteriza como residuais é a sua meia-vida.

Tome nota. 

Definimos como meia-vida o período entre a aplicação e o momento em que se encontra metade da quantidade previamente aplicada. 

Por exemplo: em uma aplicação de 240 g de equivalente ácido (e. a.) em um hectare, após decorrido o tempo de meia-vida da molécula, 120 g e. a. permanecerão ativos no solo.

A diminuição da quantidade de produto no ambiente se dá pela degradação natural, podendo acontecer por meio da: 

- degradação microbiana por microrganismos do solo; 

- fotólise (degradação pela luz solar);

- hidrólise (quebra pela água); 

- retenção nos coloides do solo, principalmente constituídos pela matéria orgânica e argila.

O tempo de meia-vida do picloram é bastante variável, citado na literatura entre 20 e 300 dias, com média de 90 dias¹. 

Já o do aminopiralide é de 34,5 dias, para 8 locais na América do Norte, e 25 dias, para 4 locais na Europa¹. 

A principal rota de dissipação dessas moléculas no solo é por meio da degradação microbiana, ou seja, a degradação será influenciada por três fatores: dose aplicada, temperatura e umidade do local.

A atividade microbiana do solo está ligada à disponibilidade dos fatores vitais: umidade e temperatura.

Espera-se que, nas condições tropicais, onde há maior abundância desses fatores, a atividade microbiana seja maior e, assim, o consumo das moléculas também – levando a um menor efeito deletério a determinadas culturas. 

¹As empresas que comercializam produtos contendo estas moléculas recomendam a carência de 2 a 3 anos entre a aplicação e a rotação com culturas sensíveis, como: algodão, soja, amendoim, feijão e eucalipto, entre outras dicotiledôneas ou folhas largas.

Outras moléculas de importância no manejo de pastagem em sistemas de Integração Lavoura-Pecuária

As moléculas de 2,4-D, fluroxipir e triclopir, que são igualmente importantes como herbicidas de pastagens, possuem residuais menores no solo, com meia-vida entre poucos dias e 2 a 3 semanas.

Porém, a principal característica que tranquiliza o aspecto de rotação de culturas pós-aplicação se dá pela forma como essas moléculas entram na planta que, diferentemente do picloram e aminopiralide, são absorvidas pelas folhas e raízes, o 2,4-D, fluroxipir e triclopir são absorvidos predominantemente pelas folhas.

O 2,4-D é usado em dessecação pré-plantio da soja, em até menos de uma semana. O triclopir e o fluroxipir têm entrado também nessa prática de aplicação pré-plantio da soja, mas com prazos maiores entre aplicação e plantio (cerca de 3 semanas), em vista de se tornarem importantes alternativas no manejo de controle de buva, picão-preto e outras plantas daninhas tolerantes ou que adquiriram resistência ao herbicida glifosato, no complexo da soja. 

Outro exemplo se dá no uso de produtos contendo triclopir e triclopir + fluroxipir no controle de brotos em sub-bosque de florestas estabelecidas de eucalipto ou pinus, em nada prejudica o desempenho das árvores ao lado, desde que não atingidas em suas folhas.

O metsulfuron-metil, cujo uso tem sido crescente nos últimos anos nas pastagens, possui meia-vida bastante ampla na literatura, citando entre 30 e 120 dias. 

Identificação de problemas com herbicidas residuais e uma dica de ouro ao produtor

Para entender mais sobre o assunto, conversamos com Neivaldo Tunes Caceres, Engenheiro Agrônomo, formado pela ESALQ-USP em 1984, e Mestre em Solos e Nutrição de Plantas pela mesma instituição em 1994, fundador da NTC ConsultAgro, empresa especialista no manejo de plantas daninhas.

Um ponto frequente sobre o tema é a respeito de laboratórios que realizam análises do solo para determinar a existência das moléculas citadas no texto, no solo, e a prevenção de problemas em culturas que podem ser manejadas em rotação. 

“Não há no Brasil uma lista grande de laboratórios que realizam estas análises”, salienta Caceres. “Mas, ao optar pela realização das análises laboratoriais, advirto sobre alguns pontos: primeiro é a coleta das amostras, que não é simples e deve ser realizada com trados e outros utensílios de amostragem descontaminados e em número de subamostras representativas para compor uma amostra.”

Além disso, destaca Neivaldo, “a análise em si tem um custo importante, inviabilizando ao pecuarista comum grandes coletas de amostras, outro ponto importante: o tempo entre envio, análise e recebimento dos resultados, muitas vezes demorados, ultrapassam a necessidade do momento”.

Neivaldo destaca que há uma “dica de ouro” para uma análise relativamente precisa, rápida e sem custos: trata-se do bioensaio, no qual usamos uma planta que apresenta sensibilidade ao herbicida e nos mostra se há resíduo importante, ou não, de picloram e/ou aminopiralide em um solo que recebeu a aplicação previamente. Funciona da seguinte maneira:

- Colete solo da área candidata a receber a nova cultura. Realize amostragem da camada de até 20 cm de profundidade, em diversos pontos distribuídos por toda a área, pelo menos 10 a 15 pontos, acumulando um volume de solo de pelo menos 5 a 8 litros, que permita encher uma caixa, ou bandeja plástica, para posterior plantio de sementes;

- Colete o mesmo volume de solo em uma área próxima, uma mata, ou outra área onde seguramente se sabe que não houve aplicação de produtos, para efeito comparativo;

- Plante sementes da cultura desejada (soja, feijão ou algodão) em ambas as bandejas, espere a germinação das sementes e observe se há sintomas de encarquilhamento das folhas, clorose ou má-formação das plantas na bandeja com o solo da área de interesse. Se preferir, podem ser utilizadas sementes de pepino, uma planta extremamente sensível a resíduos desses herbicidas.

Em um prazo bastante curto, de 10 a 15 dias, sem custos, obtém-se essa informação.

Referências

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

MELO, C. A. D., et al. “Herbicides carryover in systems cultivated with vegetable crops.” Revista Brasileira de Herbicidas, 15.1: 67-78, 2016.

MANCUSO, M. A. C., NEGRISOLI, E., & PERIM, L. Efeito residual de herbicidas no solo (“Carryover”). Revista Brasileira de Herbicidas, 10(2), 151-164, 2011.

NEIVALDO T. CACERES. “Plantas Daninhas em Pastagens: Biologia, Manejo e Controle”.  

NTC ConsultAgro.

Rede ILPF.

Scot Consultoria.