Leis internacionais, política e ambientalismo podem interferir na pecuária brasileira?
Especialista no mercado agropecuário reúne principais informações sobre tendências e fatos que, sim, influenciam os negócios no campo.
Especialista no mercado agropecuário reúne principais informações sobre tendências e fatos que, sim, influenciam os negócios no campo.
A carne brasileira não atende às exigências e normas do mercado francês? Esse questionamento trazido por um varejista internacional mostra como o protecionismo comercial está em alta pelo mundo em função de questões relacionadas à taxação de produtos importados, o que deve ficar no radar da pecuária brasileira.
Essa é uma pergunta que o produtor rural brasileiro deve fazer enquanto acompanha as notícias e movimentações geopolíticas. E, quase sempre, a resposta é sim. Mais do que a importância de acompanhar os cenários brasileiro e mundial, é preciso desenvolver um olhar para a pecuária, monitorando os fatos que podem impactar a lucratividade da sua propriedade. Pedro Gonçalves, Engenheiro Agrônomo e editor-chefe de pecuária da Scot Consultoria, lembra que há um número bastante alto ainda, no país, de pecuaristas que não acompanham notícias, e como isso pode pegá-los de surpresa.
“Quando um mercado fala mal sobre a carne de um país, por exemplo, isso gera incertezas para o setor. Ainda mais se é um país líder, ele pode levar outros países a acompanhá-lo. Sugerimos o monitoramento dos contextos políticos, porque se esse tipo de conduta é protecionista, teremos que lidar com isso, pois exigências globais influenciam a produção. Mudanças em leis internacionais, normalmente mais exigentes, afetam a exportação”, disse Gonçalves.
O ano de 2024 foi marcante na produção de carne bovina, cujo abate de bovinos foi recorde e a participação de matrizes foi expressiva. No mercado externo, a forte demanda resultou em recorde no volume exportado e um faturamento entre os maiores registrados na série histórica, consolidando o Brasil como líder global.
Dados da Scot Consultoria revelam que a exportação relacionada aos bovinos, seja de gado em pé ou de carne, embora existam outros produtos relacionados ao bovino, foi muito bem em 2024. Para bovinos vivos, a exportação até novembro contabilizou 883,5 mil cabeças embarcadas, com um faturamento de US$ 736,78 milhões. Para a carne bovina total (carne in natura, tripas, carne industrializada e miúdos), o recorde foi superado em outubro, e até novembro acumulou 3,55 milhões de toneladas equivalentes de carcaça (TEC) embarcadas.
Mesmo com preço médio menor, no comparativo feito ano a ano, segundo a Consultoria, o faturamento é o segundo maior da série histórica, com US$ 11,73 bilhões. Restam US$ 1,23 bilhão para superar o recorde anterior, que foi de US$ 12,96 bilhões em 2022. “Ou seja, estamos indo muito bem, obrigado. Mas para manter esse cenário positivo em 2025, é preciso atenção e continuar apostando nas boas práticas da pecuária sustentável brasileira”, afirma o Engenheiro Agrônomo da Scot Consultoria.
Há uma lista de boas práticas que mostram que sim, os produtores brasileiros não deixam de garantir a sustentabilidade das normas exigidas internacionalmente. Dados coletados por uma expedição organizada pela Scot Consultoria, que mapeia a pecuária intensiva brasileira, revelam que 92,5% de 213 confinamentos mapeados em 2024 fazem compostagem dos dejetos bovinos, transformando o que antes era um passivo ambiental em fertilizantes orgânicos, biogás e créditos de carbono. Essa prática evita a contaminação dos recursos hídricos e promove a economia circular, gerando ganhos ambientais e econômicos.
A Integração Lavoura-Pecuária (ILP) veio para ficar, consolidando-se em 2024 como um modelo de produção sustentável. Segundo a Embrapa e a Rede ILPF, 83% da área manejada com sistemas integrados adota a ILP; 9% adotam Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); 7%, Pecuária-Floresta; e 1%, Lavoura-Floresta. Esses sistemas aumentam a produtividade, melhoram o solo e contribuem para o sequestro de carbono.
Especialistas da consultoria também apontam que a rastreabilidade tem sido exigida pelos importadores da carne brasileira para monitorar a sustentabilidade e qualidade. Tanto é que, em 2024, foi anunciado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) o Plano Nacional de Rastreabilidade Individual da Pecuária, que prevê a identificação obrigatória de bovinos e bubalinos em todo o território nacional. Entre 2027 e 2029, a identificação individual começará a ocorrer, com previsão de atingir o rebanho nacional até 2032. O plano ainda dá um prazo de dois anos (até 2026) para que todos os estados implementem os sistemas que permitirão aos produtores realizarem o registro do gado junto ao governo federal (criação da base de dados).
Existem leis que já garantem essa rastreabilidade da produção, como a Lei Federal número 12.097/2009, e o Decreto número 7.623/2011, que regulamentam a rastreabilidade na cadeia produtiva de bovinos e búfalos. A Instrução Normativa Mapa de número 17/2006 define o funcionamento do SISBOV (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina), que monitora as fases da produção, em lotes, e a distribuição, garantindo a conformidade com padrões internacionais.
Também vale lembrar da Lei Federal número 14.475/2022, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Agricultura e Pecuária de Precisão, promovendo a adoção de técnicas avançadas e práticas sustentáveis no setor. E o Brasil ainda conta com iniciativas estaduais. Destacam-se, entre elas, o Plano Norte + Sustentável, que abrange a Amazônia Legal, e o Programa de Avanços na Pecuária (PROAPE), do Mato Grosso do Sul. Pedro Gonçalves explica que este último incentiva produtores de bovinos de corte a adotar práticas sustentáveis, oferecendo remuneração diferenciada com base na qualidade do gado e na adesão a programas como o Precoce MS e Carne Sustentável do Pantanal.
Em resumo, 2024 inaugurou uma fase para a pecuária brasileira, com a criação de políticas e instrumentos concretos de compromisso com a responsabilidade socioambiental. Iniciativas e caminhos para a pecuária sustentável não faltam, o que continuará imperativo será a busca por consenso, com concessões e adequações de mercado. A pecuária brasileira precisará de evidencias de práticas regenerativas para provar que é sustentável, além de mostrar que é livre de desmatamento ilegal e de trabalho análogo à escravidão.
Sim, a pecuária está combatendo a desinformação e ajudando a preservar o meio ambiente. Em entrevista para o Planeta Campo em setembro de 2024, Maurício Palma Nogueira, diretor da Athenagro Consultoria, explicou como a pecuária brasileira tem contribuído significativamente para a preservação do meio ambiente, evitando o desmatamento de 286 milhões de hectares (que seriam necessários para a produção de carne) nos últimos 30 anos. Essa área é maior que Amazonas, Pará e Rio Grande do Norte juntos.
Segundo ele, a área destinada a pastagens no Brasil diminuiu em 16% entre 1990 e 2023, enquanto a produtividade de carne bovina por hectare aumentou em 170%. Esse avanço, conhecido como “efeito poupa-terra”, foi fruto de melhorias nos sistemas de produção. Nogueira explicou ainda que o cálculo do efeito poupa-terra foi inicialmente feito pela Embrapa e continua sendo atualizado com dados atuais sobre produção e pastagens. “Sem esse aumento de produtividade, a carne bovina seria um produto extremamente caro e proibitivo para a população”, afirmou.
Para 2025, as perspectivas indicam continuidade na robustez das exportações, mas com mudanças na dinâmica da produção interna. A expectativa é de uma menor participação de fêmeas nos abates, sinalizando uma retomada na retenção para recomposição de plantel. Esse movimento deve resultar em uma leve redução na produção de carne e, em contrapartida, sustentar preços mais firmes para o boi gordo, especialmente em um cenário de oferta ajustada.
De acordo com a Scot Consultoria, as estimativas são positivas para o ano que se inicia, pois uma demanda firme dos principais compradores (como China e os Estados Unidos), bem como o recém-celebrado acordo de exportação entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, pode beneficiar a exportação dos produtos agro brasileiros. “É claro que são estimativas, considerando o que é visualizado para o início de 2025. Os parlamentares europeus, principalmente os franceses e italianos, indicam também uma resistência quanto à importação de produtos brasileiros na UE, e isso tem impacto”, alerta Gonçalves.
O principal acompanhamento que os pecuaristas devem fazer é com o EUDR (Regulamento Anti-Desflorestamento da União Europeia), que deve entrar em vigor no próximo ano. O governo brasileiro conseguiu o adiamento da implementação dessa lei anti-desmatamento da UE em dezembro de 2025, e expressou publicamente sua preocupação com os impactos econômicos substanciais que ela pode causar ao Brasil, um dos maiores exportadores de commodities agrícolas para o mercado europeu.
O consultor esclarece que o preceito da EUDR está em conformidade com as necessidades globais de sustentabilidade, visto que barra a importação de alguns produtos como madeira, cacau, café, soja e carne, entre outros, que sejam provenientes de áreas com desmatamento. Serão necessárias documentações comprobatórias de que o produto importado não teve relação com desmatamento, valendo a partir de 31 de dezembro de 2020. E pondera que esse novo regramento da União Europeia voltado para produtos livres de desmatamento “pode representar uma oportunidade para o Brasil consolidar a produção de alimentos sustentáveis". Porém, também traz desafios relacionados à rastreabilidade e conformidade ambiental, demandando maior alinhamento às exigências globais (Climate Policy Initiative)”.
Tal legislação define, por exemplo, que a floresta é um terreno com área superior a 0,5 hectare, com árvores de mais de 5 metros de altura e uma cobertura florestal superior a 10%. E um dos seus principais desafios impostos é a exigência de rastreabilidade completa dos produtos, desde a sua origem até a disponibilização no mercado europeu, algo que requer investimentos significativos em tecnologia e infraestrutura por parte dos produtores brasileiros. É uma regulamentação que oferece uma oportunidade de focar de fato na sustentabilidade, e está colocando o Brasil em uma posição estratégica nas discussões globais sobre comércio e meio ambiente, conforme explica esse artigo.
“É uma crítica que tem fundamentos, mas cada vez mais o rumo é a convergência dos pontos de vista políticos e ambientais, não tem como ser diferente. Já começamos a mapear, ouvir fontes externas, para rastrear se em algum momento pode surgir, nas leis internacionais, uma relação entre a exportação de carne e a produção dos gases de efeito estufa, ou se haveria alguma meta de redução da emissão, algo nesse sentido. Isso porque, possivelmente, o cenário da exportação em um futuro de 10 a 15 anos deve mudar totalmente. Não vamos mais falar só de carne e da produção na propriedade, mas também da emissão de gases de efeito estufa”, finaliza Pedro Gonçalves.
Outra expectativa é que 2025 seja um ano de consolidação dos avanços alcançados em 2024 para a pecuária nacional, com entrega de resultados concretos e fortalecimentos das leis e programas voltados para o setor. Ainda acontecerá no país a COP 30, em Belém, e o evento colocará o país no centro das atenções mundiais no que diz respeito às políticas de cunho ambiental e social. Certamente a pecuária brasileira também terá holofotes.