Blog •  24/11/2020

Os países árabes e o grande mercado de proteína halal

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Os países árabes e o grande mercado de proteína halal

Importantes compradores de boi em pé e cortes congelados inteiros do Brasil, países árabes também têm procurado produtos com maior valor agregado

Foi com um único contêiner de frango que o comércio de proteína animal entre o Brasil e os países árabes – especificamente a Arábia Saudita – começou, nos anos 1980, na esteira da crise do petróleo. Os frigoríficos de bovinos começaram a negociar com o mundo árabe em seguida e o negócio cresceu a tal ponto que, atualmente, somos o maior exportador de proteína halal do mundo – que vai também para a Turquia (otomano), o Irã (persa) e a Indonésia (diversas etnias).

Sobre o halal, é importante dizer que se trata de um conceito que engloba tudo o que a religião islâmica permite. No caso das carnes bovinas, isso significa que os bois devem ser abatidos, processados, manipulados, transportados e armazenados seguindo um rol bastante específico de procedimentos descritos em normas técnicas de produção da Gulf Standard Organization.

Para se ter ideia, só em 2019, mais de 354 mil toneladas de carne bovina brasileira chegaram à Liga Árabe, que é composta por 16 países (Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Kuwait, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia).

Qual o tamanho desse mercado?

De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, em 2019, o Brasil vendeu aos países árabes um total de US$ 1,168 bilhão em carne bovina, receita 2,7% maior do que a obtida no ano anterior. Em volume, foram 354,55 mil toneladas de carne, 3,6% a mais do que em 2018. No primeiro semestre de 2020, devido ao crescimento das vendas para a China, houve um recuo nas exportações: até maio, a queda era de 30%.

De acordo com o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Tamer Mansour, Egito e Emirados Árabes se destacam nesse mercado. “O Egito compra aproximadamente 40% de tudo o que o Brasil exporta para o mundo árabe. É o país mais populoso da Liga Árabe, com quase 100 milhões de habitantes”, diz. Já os Emirados Árabes são um grande reexportador de produtos para toda a região.

Leia também: Carne bovina: mercado interno versus mercado externo

Os países árabes também são um importante mercado para o boi em pé brasileiro. Em 2019, a exportação de bovinos vivos rendeu aos pecuaristas do Brasil US$ 236,31 milhões, um aumento de 54% em relação ao ano anterior, motivado pelo interesse em aumentar a oferta interna de alimentos, gerando empregos em seus territórios.

Para Mansour, a possibilidade de ampliação do comércio é certa, já que, além de uma nação conjugada de 420 milhões de pessoas, os países árabes têm uma população composta por muitos jovens, com altas taxas de natalidade e grande carência de solos férteis e água para viabilizar a produção local.

Ainda assim é importante lembrar que essa ampliação depende das negociações do Brasil com outros mercados: em 2020, por exemplo, o crescimento das exportações para a China pressionaram as vendas de carne bovina para o mercado árabe, fazendo elas recuarem, até julho, 28% em toneladas e 20% em receita.

Quais os cortes comprados?

De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, há grande demanda por cortes congelados inteiros, mas começa a crescer a procura por produtos de maior valor agregado, como carne resfriada e porcionados gourmet.

“Recentemente, em abril, quando a pandemia de Covid-19 estava em seu estágio mais crítico na Europa, recebemos dezenas de pedidos de importadores árabes, que não mais conseguiam produtos daquela região. Uma parcela expressiva das solicitações era de cortes bovinos tradicionalmente europeus, como o T-bone, não muito comuns por aqui. Eles queriam, inclusive, mercadorias já porcionadas para a venda em supermercados, já que o food service por lá também parou com a pandemia”, conta Mansour sobre a busca por fornecedores de itens premium.

Segundo ele, quem também procura por linhas premium, com certificação de produto orgânico e livre de transgênico, são os importadores dos países do Golfo Pérsico, que têm maior poder aquisitivo e uma relevante indústria hoteleira.

Quais as certificações exigidas?

Além do Certificado Sanitário Nacional, emitido pelo Ministério da Agricultura e exigido na exportação para qualquer país, são obrigatórios os certificados de origem, emitido pela Câmara Árabe e outras entidades, e o halal, emitido por qualquer certificadora acreditada para atuar no Brasil.

Como se negocia com o mercado?

Um ponto essencial, de acordo com o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, é construir confiança, o que demanda paciência. “É muito comum, por exemplo, que as famílias das partes se conheçam antes do negócio acontecer. Quando a confiança é construída, só então o negócio deslancha. Outra coisa importante é investir na continuidade da relação. Empresas que ingressam no mercado e deixam de fornecer com regularidade acabam sendo preteridas”, explica Mansour.

Ele recomenda ainda que as empresas conheçam os consumidores árabes para não se deixarem enganar pelos estereótipos e conseguirem atender às demandas deles, já que são “o tipo mais exigente de consumidor”, nas palavras de Mansour.

Por fim, orienta que os brasileiros lembrem que a ideia de intimidade com os islâmicos é muito mais rígida, o que pode ser importante tanto na hora da negociação quanto no momento de fazer a publicidade de produtos. Outra dica é aproveitar a identidade e a afinidade que esse povo tem com o Brasil, já que eles veem o brasileiro como um povo que respeita as crenças islâmicas. “Esses aspectos são poderosos e podem alavancar vendas”, afirma.

O que o criador deve saber para criar gado para esse mercado?

No caso específico da Arábia Saudita, a carne deve ser proveniente de bois com até 30 meses, como ocorre no comércio com a China. No mais, a principal orientação é investir na relação com o parceiro comercial. “O mercado árabe é para empresas que têm um projeto perene de internacionalização. E elas costumam ser recompensadas com a fidelidade”, diz.

Além disso, ele destaca que as empresas que quiserem explorar o mercado árabe serão apoiadas pela Câmara Comércio Árabe-Brasileira, que conta com um departamento de inteligência de mercado pronto para ajudar com oportunidades e alinhamento de parcerias de negócio.

Depoimento de quem vende para o mercado árabe

“Em 2008, quando entramos no mercado de carne bovina, o árabe estava em franca expansão. Nos lançamos a ele por acreditarmos que o mercado árabe estava – e está – em crescimento, buscando uma proteína de boa qualidade – e o Brasil tem. De lá para cá, abrimos frente em praticamente todos os países que têm relacionamento com o Brasil. Em alguns, temos representantes locais, que fazem a prospecção, a visita e o relacionamento com o cliente; em outros, atuamos via trading companies ou mesmo a partir da nossa participação em feiras. A carne brasileira, hoje, está se colocando não só como ingrediente, que é a carne que vai para a indústria e não é mais valorizada, mas também como varejo, no supermercado. É uma carne produzida com muita técnica, muitos cuidados. Envolve muito custo, mas tem um valor agregado. Ainda há um longo caminho a percorrer, eu acho, no sentido de relacionamento de confiança, de promoção do nosso produto. Mas tem um potencial enorme para o Brasil no mundo árabe”, diz o diretor comercial do frigorífico Frigosul, Diego Riva Magnabosco.

Agora que você já conhece melhor o mercado árabe, um dos grandes importadores de carne bovina brasileira no mundo, continue conferindo o nosso especial sobre os grandes mercados da pecuária mundial.