Blog •  17/01/2023

Pesquisa desenvolveu uma cerca virtual que amplia a área de ocupação e a segurança dos animais

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Conversamos com o autor da pesquisa da USP sobre a criação e a aplicação de um dispositivo eletrônico carregado pelos próprios animais.

"O sistema de monitoramento bovino permite ao pecuarista conhecer a rotina diária do animal, bem como a sua localização em tempo real”. É assim que o pesquisador Carlos Alberto Marincek, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, explica a aplicação prática da pesquisa que desenvolveu durante seu mestrado na instituição.

Ele ressalta a importância de possibilitar o gerenciamento de diversos animais por meio de um dispositivo eletrônico carregado por eles, que cria uma espécie de “cerca virtual”. Em um bate-papo sobre o sistema, Marincek explica que o monitoramento é um complemento às cercas físicas, permitindo focar no bem-estar dos animais e assegurando que eles se mantenham soltos, mas em uma área predefinida, emitindo alertas aos criadores caso ultrapassem limites. Sua finalidade é dar praticidade à rotina no campo, proporcionando segurança, reduzindo riscos de fuga, furto, roubo e de exposição a doenças, fora outros benefícios. Saiba mais na entrevista a seguir!

O que é a “cerca virtual”? Ela é aplicável a quais animais?

A cerca “física” impõe um determinado limite para a livre circulação do animal dentro da propriedade rural, restringindo sua área de acesso a locais específicos. Pode ser utilizada na demarcação de divisas das propriedades ou mesmo na delimitação de áreas internas à propriedade, facilitando a gestão. Para a construção da cerca física, muitas vezes são utilizados procedimentos inadequados para a saúde e o bem-estar animal como, por exemplo, a utilização de arame farpado.

Já a “cerca virtual” não existe fisicamente, então não há uma barreira física ao animal e sim um dispositivo eletrônico microcontrolado, dotado de um GPS que ele carrega e que fornece sua localização. Nada mais é do que um software instalado no dispositivo. Ele detecta o momento em que o animal atingiu o limite físico imposto pela cerca virtual, emitindo um sinal de alerta ao produtor, via SMS. Esse limite é previamente definido, de acordo com as necessidades do pecuarista. O dispositivo pode ser utilizado na maioria dos animais, como bovinos, suínos, caprinos, ovinos, em animais domésticos, como cães e gatos, e em animais selvagens.


Dispositivo é utilizado pelo animal e proporciona o monitoramento por localização. Reprodução Jornal da USP / foto cedida pelo pesquisador

De onde surgiu a ideia para essa pesquisa? E qual a viabilidade tecnológica?

A ideia original surgiu a partir dos sistemas para rastreabilidade de frota veicular. A minha motivação para a pesquisa partiu da necessidade de realização de um sonho antigo meu: cursar e concluir um mestrado. Aproveitei a ideia original de rastreio a fim de adaptá-la ao monitoramento bovino, com aplicação da cerca virtual. A partir daí desenvolvi a dissertação com o título “Sistema Autônomo Microcontrolado para Monitoramento Bovino”, aplicando o conceito da cerca virtual.

A necessidade de o monitoramento ser realizado em área extensiva (no caso específico do monitoramento bovino), bem como algumas questões de alimentação elétrica do sistema (alto consumo, dificuldades para troca e manutenção da bateria, baixa capacidade de armazenamento), foram fatores determinantes para a adoção de tecnologias inovadoras no campo, da comunicação e transmissão com longo alcance e baixo consumo energético (Radio transceptor, rede LoRa – Long Range), sistema de geolocalização (GPS), sistema de geração de energia solar fotovoltaica, entre outras.

O estudo foi desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Inovação na Indústria Animal, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da USP, em Pirassununga (SP). Tive a orientação da professora Ana Carolina de Sousa Silva e a pesquisa completa com detalhes de hardware, software e componentes utilizados está disponível na Biblioteca Digital da USP. 

Quais os resultados obtidos até o momento?

O sistema de monitoramento bovino permite ao produtor rural conhecer a rotina diária do animal, bem como a sua localização em tempo real. Isso proporciona ao produtor uma facilidade na tomada de decisões, durante o manejo dos animais, para obtenção de melhorias na gestão de seu negócio. O sistema desenvolvido foi testado em bancada de laboratório, apresentando excelentes resultados, compatíveis com o previsto. Ou seja, enviando mensagens de sinalização sempre que a distância estabelecida era ultrapassada. Além disso, apresentou muitas vantagens sobre sistemas já existentes, devido ao seu consumo reduzido de energia, seu baixo peso, dimensões reduzidas e, ainda, o baixo custo tanto de hardware quanto de software.

E qual a importância da cerca virtual para o pecuarista?

Ela serve como uma ferramenta de gestão. O produtor poderá fazer uso do sistema para emitir relatórios baseados no histórico do animal, agregando novos valores ao seu negócio. A partir do dispositivo é possível comprovar aos clientes (compradores) que os animais sempre ocuparam áreas legais, por exemplo, mostrando nunca terem utilizado pastos provenientes de desmatamento ilegal, áreas de preservação permanente, reservas ambientais ou mesmo terras indígenas. Essa comprovação é um fator importante no contexto atual, frente às exigências do mercado internacional. 

Você tem exemplos da eficiência do dispositivo? Ou da influência tanto no bem-estar do animal quanto na produtividade do produtor?

Há sim alguns casos que citamos na pesquisa e que servem de exemplo, como a Cattle Watch, empresa israelense que integra tecnologias utilizando a rede de telefonia celular ou transmissão via satélite. Também tem o sistema eShephers, da Agersens, em que o animal é treinado para permanecer dentro do limite estabelecido e quando sai, há a aplicação de um choque elétrico feito pelo próprio dispositivo. Recentemente, li a respeito da Plataforma CattleVis que utiliza a tecnologia TagVis solar em um brinco de baixa potência e longo alcance, desenvolvido pela Spacevis. O equipamento possui GPS, acelerômetro e é alimentado por energia solar e a tecnologia LoRa. Fiquei surpreso, pois o sistema utiliza as mesmas tecnologias apresentadas pelo dispositivo desenvolvido dentro do nosso Programa de Mestrado aqui do FZEA USP Pirassununga.  

Vale ressaltar que, por não utilizar métodos invasivos, a cerca virtual desenvolvida proporciona uma melhoria no bem-estar animal, fato este importante no contexto atual, que influencia positivamente na produção animal. 

Esse é um típico caso de como a tecnologia beneficia o campo. A tecnologia está em constante desenvolvimento, de forma exponencial, e vem cumprindo com seus objetivos de beneficiar, de otimizar os processos de produção no meio rural. Percebo que os produtores estão aderindo às novas tecnologias que vêm sendo consolidadas. Hoje, a atividade no campo segue boas práticas de controle e de gestão. 

Quem quiser usar o dispositivo eletrônico em seus animais deve proceder como?

A pesquisa desenvolvida não foi testada em campo durante a minha dissertação, mas agora outro aluno orientado pela professora Ana Carolina deu continuidade ao projeto, adaptando-o para uma nova plataforma de serviços. Ele obteve os resultados esperados em bancada e a nova fase é do teste em campo, prestes a ser iniciado. Após esse teste, o sistema poderá ser aplicado em grande escala na criação de bovinos.